quinta-feira, 12 de setembro de 2013
domingo, 25 de agosto de 2013
sábado, 13 de abril de 2013
Impunidade ou "legalidade"? PEC 37 e o poder de investigação direta pelo MP
X
Toda essa polêmica que temos acompanhado de um modo mais do que insistente ultimamente, em torno da Proposta de Emenda Constitucional n.º 37 (apelidada pelo MP de "PEC da Impunidade" e pelas associações de delegados de "PEC da Legalidade"), com direito a apelo midiático dos mais diversos matizes (entrevistas, debates, moções públicas, passeatas e atos públicos etc.), não é nada nova.
Prova disso é o trecho, abaixo transcrito, que é parte do meu trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Direito da UNESP, defendido no ano de 2002, elaborado sob a ilustre orientação do Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges.
Evidente que, considerando o debate atual, assim como os principais argumentos que hoje são utilizados para defesa de um e outro ponto de vista (como por exemplo, de um lado, a tese dos poderes implícitos e, de outro, a questão relativa às carências da carreira policial), esse artigo, que agora transcrevo nesse blog quase que moribundo, também não vem oferecer nada de novo.
Posso dizer que, no entanto, ao me posicionar a respeito, interessante constatar que, nesses 10 anos, continuo a pensar do mesmo jeito e ainda achar um absurdo (com todo respeito e consideração que teses contrárias merecem), uma proposta de emenda constitucional como essa, por colocar em cheque conquistas democráticas que ainda mal sedimentamos...
E é por tal razão que resolvi, aqui, transcrevê-la e contribuir, de modo falho certamente, porém o mais honesto e imparcial possível (sou um mero professor universitário e, por isso, não filiado corporativamente nem ao Ministério Público e nem à carreira policial).
Ressalto, por fim, que o que mais gostaria de ver em nosso país é uma atuação conjunta, forte e equilibrada dos órgãos encarregados da persecução penal. E, ao meu sentir, não será essa PEC que fará isso. Muito pelo contrário. Não será essa PEC que dará, a delegados e demais policiais, melhores e condizentes salários, estrutura de ponta, tecnologia para elucidação dos mais graves e complexos crimes perpetrados pelas (cada vez mais organizadas) facções criminosas e, enfim, não será essa PEC que lhes reservará, em âmbito constitucional, as mesmas garantias do Parquet como inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios, autonomia funcional e efetiva independência.
Penso,
em síntese, que essa tentativa de retirada dos poderes investigatórios
do MP, por meio da ridícula redação que, aparentemente, tornou-se definitiva (três
linhas, conforme se vê, que poderão causar um estrago que não será
remediado em menos de três décadas) não tem o condão de dar às Polícias
(Federal e Civil) o merecido reconhecimento que, da mesma forma,
considero IMPRETERÍVEL para a efetiva realização de seu também
IMPRESCINDÍVEL mister constitucional.
P.S.: para tornar a leitura mais agradável, considerando que não mexi nesse texto desde que fui aprovado na banca de TCC, fiz apenas alguns reparos gramaticais e acrescentei, como verão, algumas notas de atualização para melhor elucidação ou complementação de alguns pontos. O restante, inclusive os erros evidentes, deixei como estavam...
_______________________________________________________________ [...]
3.3.3 Poder de investigação e lavratura do auto de prisão em flagrante.
Muita discussão
existe entre doutrinadores e não menos na jurisprudência em torno da
possibilidade ou não de que o Ministério Público possa, diretamente, comandar
investigações criminais sendo que, parte deste difícil dilema já foi,
inclusive, abordado no item anterior[1].
Aqueles que são
contrários a esta tese costumam alegar, de maneira um tanto desavisada por
sinal, que a polícia civil, quando desempenhando a função de polícia judiciária[2],
detém de forma privativa o poder de investigação das ações criminais. Mas,
conforme todos sabem, isso não é verdade e, para se assentar esta questão, a
interpretação do texto constitucional, no ponto em que estão definidas as
atribuições das instituições incumbidas de garantir e promover a segurança
pública, tornará bem claro esse entendimento.
Assim, diz o § 4.º,
do art. 144 da CRFB que “às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Quisesse a Lei Maior outorgar-lhe “exclusividade” nesta atuação, incluiria este termo na sua
descrição, como o fez no inciso IV do § 1.º do mesmo artigo com relação à Polícia
Federal. Observe-se: diz o mencionado dispositivo que a polícia
federal destina-se a “exercer, com exclusividade, as funções de
polícia judiciária da União” (grifo nosso)[3].
Não bastasse o mandamento proveniente de
norma constitucional, o parágrafo único do art. 4.º do CPP determina, na mesma esteira,
que, nos casos de se determinar a competência para apuração de infrações penai não
se excluirão aquelas autoridades administrativas que, por previsão legal, também
a detenham[4].
Tourinho Filho, comentando o indigitado dispositivo, afirma que
o parágrafo único do art. 4.º (CPP) deixa
entrever que essa competência atribuída à polícia [investigação de infrações
penais] não lhe é exclusiva, nada impedindo que autoridades administrativas
outras possam, também, dentro de suas respectivas áreas de atividades, proceder
as investigações[5].
Portanto, o poder de
investigação, ao contrário do que muitos afirmam, não é de exclusividade das
autoridades policiais (civis e federais), sendo possível que outras autoridades
administrativas, desde que haja a devida previsão legal, possam exercê-lo,
dentro do âmbito de suas atribuições.
Assim, sendo o
Ministério Público uma instituição que detém parcela da soberania estatal,
estando seus membros[6] imbuídos
desta mesma parcela, não há óbice para que possam proceder às investigações
penais, sendo essa conclusão mera decorrência do que se encontra previsto no
âmbito constitucional e infralegal (conforme já citado, art. 4.º, parágrafo
único do CPP, onde se lê “outras autoridades administrativas”), como as leis de
organização da própria carreira, conforme se verificará.
Durante muito tempo,
mais precisamente enquanto ainda estava em vigor a Lei Complementar n.º 40/81
(hoje revogada pela Lei n.º 8.625/93, atual Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público), tais considerações eram ainda mais explícitas. Detinha o Ministério
Público o poder de “avocar” inquéritos policiais, o que lhe dava plenos poderes
de assumir a investigação policial e a condução do próprio inquérito policial.
Segundo dispunham os artigos 15, incisos III e V e 7.º, VII da citada lei
complementar, por ocasião de sua vigência, dentre as atribuições dos membros do Ministério Público estava a de
assumir a direção de inquéritos policiais quando designados pelo
Procurador-Geral, nos locais onde não houvesse delegado de carreira.
Tais dispositivos não
foram reproduzidos expressamente pela atual Lei 8.625/93, mas, no entanto,
conforme já se constou anteriormente[7],
esta permite ao membro do Ministério Público acompanhar o andamento das
investigações criminais em sede de inquérito policial (art. 26, IV da
mencionada lei). Sua participação, todavia, não ficou reduzida apenas a
acompanhar os inquéritos que foram requisitados, uma vez que os incisos V e VII
do art. 8.º da Lei Complementar n.º 75/93 (Estatuto do Ministério Público da
União) lhe permitem “realizar inspeções e diligências investigatórias” e, ainda,
“expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar”. No caso, tais
dispositivos tem aplicação subsidiária à Lei 8.625/93, segundo determinação
expressa por seu art.
80[8].
Vê-se que tanto a Lei Maior (art. 129, I, VI, VII e VIII) como as
leis de organização da instituição não deixam qualquer margem de dúvidas para
caracterizar a legalidade da atuação do Ministério Público em se tratando de
condução de investigação criminal no bojo de suas atribuições ministeriais[9].
Reconhecendo-se a plena possibilidade de realização
direta de investigações pelo Ministério Público, tanto no âmbito cível quanto
criminal, resta indagar se lhe seria possível, em decorrência deste procedimento,
realizar a lavratura do auto de prisão em
flagrante. Questão talvez ainda mais tormentosa do que a anterior, está
longe de encontrar pacificação entre os estudiosos do tema.
Mirabete, ao discorrer sobre o assunto, afirma que “em
regra, a autoridade competente é a autoridade policial, no exercício de suas
funções primordiais de polícia judiciária, que não exclui a competência de
outra autoridade administrativa”[10]
que possa vir a ter designada a mesma função. O mencionado autor cita as mesmas
regras decorrentes do parágrafo único do art. 4.º do CPP, exemplificando com o
art. 33, b da Lei n.º 4771/65 (Código
Florestal[11]),
que há a possibilidade de lavratura do auto de flagrante pelos funcionários da
repartição florestal. Lembra ainda o poder de polícia das Câmaras dos Deputados
e do Senado Federal, conforme determina a súmula 397[12],
nos casos de crimes cometidos em sua dependência.
Como se pode
perceber, desde que investido do poder de investigação, qualquer autoridade
administrativa deterá o poder de presidir o auto de prisão em flagrante, uma
vez que este decorre daquele. Um entendimento contrário seria, na verdade, um contrassenso.
Seria negar o “menos” àquele que pode o “mais”. Se entendermos ser possível,
conforme determina a Constituição Federal juntamente com as Leis Orgânicas
Nacionais e Estaduais, ao Ministério Público o poder de conduzir e participar
diretamente das investigações criminais, certamente dever-ser-á admitir a sua
plena possibilidade de proceder também à prisão em flagrante.
Freyesleben afirma em
sua festejada obra sobre o tema que sempre se negou o direito de o Promotor
presidir auto de prisão em flagrante por puro e simples preconceito[13]. E deve se dar razão
ao ilustre promotor mineiro, sobretudo quando lembra que a maioria dos processualistas
entendem, sem qualquer questionamento, ser possível que “funcionários da
repartição florestal” tenham competência “para a lavratura do auto de
flagrante, sem exigir qualquer outra qualidade do agente”[14]. Indaga-se,
juntamente com o citado autor, como então negar tal poder ao Promotor (ou
Procurador da República), seja quanto ao auto de prisão em flagrante, seja
quanto ao próprio ato de investigar, sobretudo quando está constitucionalmente
amparado[15]?
[1] Nota de atualização 1: na versão completa do trabalho, o
referido item, anterior a este, aborda as denominadas investigações de natureza administrativa que possuem
previsão legal no art. 129, inciso VI da CRFB e que, de certa forma, prestam-se
a indicar e justificar, a partir de uma interpretação sistemática, a natural vocação do Ministério Público para implementar
investigações também de natureza criminal.
[2] Não faz muito tempo,
duas decisões foram proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (HC
n.º 96.02.35446-1, 2ª T., Rel. Des. Fed. Silvério Cabral, v.m., julg. em
11.12.96; HC n.º 97.02.09315-5, 1ª T., Rel. Des. Fed. Nei Fonseca, v.u., julg.
em 19.08.97, DJU de 09.10.97), encampando decisão isolada do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (HC n.º 615/96, 1ª CCrim., Rel. Juiz convocado Silvio
Teixeira, DOERJ de 26.08.96), acolhendo a tese de que o Ministério Público não
pode conduzir investigação de natureza criminal, sob o fundamento de que tal
atribuição é exclusiva da Polícia Judiciária, somente sendo lícito ao órgão
ministerial a condução de inquéritos civis.
[3] Nota de atualização 2: nesse contexto é que, nos dias atuais, arvoram-se
a grande maioria dos defensores da suposta “legalidade” da PEC n.º 37. Para os
defensores da tese de que ao Ministério Público não foi dada a atribuição
investigativa, esse é o dispositivo constitucional apontado como demonstração
inequívoca de que a investigação criminal é exclusiva
das autoridades policiais. No entanto, parece-nos bastante claro que, o que tal
dispositivo quis fazer foi apenas esclarecer que, no âmbito da União, a tarefa
de investigar os crimes atinentes aos bens de seu interesse tocará à Polícia
Federal e tão somente a ela, afastando-se outros órgãos policiais (como a Policia Civil Estadual, PM etc.),
mas não todo e qualquer outro órgão.
[4] De forma expressa, diz
o citado artigo que: “A
polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de
suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais
e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995). Parágrafo
único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por
lei seja cometida a mesma função.
[5] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Saraiva, 1996, V.
I, p. 16.
[6] Uma vez que
enquadram-se na categoria de agentes políticos, estão dentre aquelas “autoridades públicas supremas do Governo
e da Administração”, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles. Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro. 25.º
ed. [atualizada por Eurico de Andrade Azevedo et alli]. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-73.
[7] Nota de atualização 3: referência a tópico anterior da dissertação relativo às atribuições ministeriais na condução de procedimentos de sua alçada, como
inquéritos civis e administrativos.
[8] Diz, o citado artigo:
“aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas
da Lei Orgânica do Ministério Público da União”.
[9] Cf. neste sentido, as
seguintes ementas: 1) “Regular participação do órgão do Ministério
Público em fase investigatória e
falta de oportuna argüição da suposta suspeição do magistrado. Pedido
indeferido" (STF, HC n.º 75.769-3-MG, 1ª T., Rel. Min. Octavio
Gallotti, v.u., julg. em 30.09.97, DJU de 28.11.97); 2) “PROCESSUAL PENAL.
DENÚNCIA. IMPEDIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO.
I - A atuação do Promotor na fase
investigatória - pré-processual - não
o incompatibiliza para o exercício
da correspondente ação penal. II - Não causa nulidade o fato do Promotor,
para formação da opinio delicti,
colher preliminarmente as provas necessárias para ação penal. III - Recurso
improvido” (STJ, RHC n.º
3.586-2-PA, 6ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., julg. em 09.05.94, DJU de
30.05.94); 3) “HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÕES
PROCEDIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. (...)
1. O inquérito policial é, em regra, atribuição da autoridade policial. 2. O parquet pode investigar fatos,
poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei. 3. (...) 4. Tal poder do órgão ministerial mais avulta, quando os envolvidos na
infração penal são autoridades policiais, submetidos
ao controle externo do Ministério Público” (TRF/4ª Reg., HC n.º 97.04.26750-9-PR, Rel. Juiz Fábio Bittencourt
da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de 16.07.97) [grifos nossos].
[10] MIRABETE, Júlio
Fabbrini. Processo Penal. 10. ed.
rev. e at. São Paulo: Atlas, 2000, p. 378.
[11] Nota de atualização 4: hoje encontra-se revogado pela Lei nº 12651/12 que não
reproduziu em seu texto o mencionado dispositivo. É do conhecimento geral, todavia, a competência dada aos órgãos ambientais para a realização de procedimentos administrativos, de natureza investigatória e ostensiva para a prevenção e repressão a infrações de natureza ambiental, nos termos do que dispõe, dentre outras, a Lei n.º 6938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente).
[12] Súmula 397 do STF: O
poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime
cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do
inquérito (grifo nosso).
[13] FREYESLEBEN, Márcio
Luís Chila. O Ministério Público e a
Polícia Judiciária: controle externo da atividade policial. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 120.
[14] Ibidem. Loc. cit.
[15] Nota final de atualização: O STF, nas oportunidades em que analisou a questão, considerou a aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos (inherent or implied powers theory do direito norte-americano). Ao julgar o MS 26.547-DF, o pleno do Supremo fixou o entendimento segundo o qual "a
formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja
doutrina — construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da
América no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819) — enfatiza que a
outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa
em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios
necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos". Posteriormente, no ano de 2009, quando levado a julgar exatamente a questão que gira em torno do tema aqui analisado, a Segunda Turma do STF, mais uma vez, valeu-se do argumento relativo à teoria dos poderes implícitos. Ao julgar o HC 91.661/PE, o Min. Celso de Mello, em voto lapidar, considerou ser este um “princípio basilar da hermenêutica constitucional segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.” E foi assim que a ex-minitra Ellen Gracie, então relatora do mencionado acórdão, asseverou que "não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou
diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu
convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução
penal. (...) Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente". Ressalte-se, finalmente, que, em conclusão, restou reconhecido no âmbito da mais alta Corte, por unanimidade, existir o poder-dever, previsto na Constituição da República, do Ministério Público em proceder, ele próprio, investigações criminais ou de qualquer outra natureza, sempre que considerar pertinente ao cumprimento de suas atribuições constitucionais.
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