segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Prova do 2.º Bimestre Comentada!!!

Olá, a todos!
Seguem, abaixo, os comentários à prova de Direito Constitucional que apliquei na sala do 2.º Período do curso de Direito na Libertas Faculdades Integradas, ao final do 2.º  Bimestre/2010.
Aproveitem para fixação do aprendizado!!!
Bons estudos!!!

Questões:
01. Segundo estabelece o art. 1.º da Constituição da República Federativa do Brasil, a dignidade humana constitui-se em um dos mais importantes fundamentos do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, responda às questões propostas abaixo acerca do tema:

a) Para Kant, o ser humano não pode ser tratado como um meio mas sim como um fim em si mesmo. Qual relação tal afirmativa guarda com o princípio da dignidade da pessoa humana?
Sugestão de resposta: Por este imperativo categórico, também conhecido entre alguns autores como “fórmula da humanidade” [“Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio” – KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Rio de Janeiro: Matin Claret, 2002 (Obra Prima de Cada Autor)], Kant tinha por objetivo demonstrar que o ser humano, em nenhuma hipótese ou circunstância, seja tratado como coisa, devendo sempre ser visto como um fim em si mesmo. Considerando-se a dificuldade em se definir de forma objetiva o que possamos entender por dignidade da pessoa humana, mormente sua previsão constitucional como um dos fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito, possível buscar-se nesta fórmula kantiana um mecanismo para sua efetiva aplicação. Sendo assim, a garantia (mínima) da dignidade do ser humano será a garantia de que este sempre será tratado, seja em suas relações particulares, seja em suas relações com o Estado como um fim em si mesmo, nunca como meio, jamais como coisa (objeto de direito).

b) Caso prático: em algumas cidades da Europa, tornou-se célebre em algumas casas noturnas uma “brincadeira” conhecida como “arremesso de anão”. Tal “brincadeira” consistia em dar vitória e um prêmio ao participante que conseguisse arremessar um anão, que voluntariamente se dispunha a ser arremessado, o mais longe possível, em uma cama elástica. Tribunais europeus decidiram por proibir tal prática, pois entenderam representar uma clara violação aos direitos humanos e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Por conseqüência, muitos anões perderam seus empregos. Os tribunais que decidiram por proibir essa prática agiram corretamente? Fundamente sua resposta.
Sugestão de resposta: Aqui poderiam ser adotados os dois posicionamentos, sendo que o que importa para a avaliação da questão é o argumento utilizado. Sendo assim, para uma primeira análise, poder-se-ia estar de acordo com as decisões proferidas no sentido de proibição da mencionada prática, haja visto que, via de regra, os direitos da personalidade (regidos pelo postulado ou norma de sobredireito que é a dignidade da pessoa humana), são indisponíveis e irrenunciáveis; sendo assim, não seria possível, em príncípio, que nem mesmo aquelas pessoas diretamente envolvidas com a questão, ainda mais se socialmente vulneráveis ou passíveis de exploração econômica, abdicassem de seus direitos em razão de se tratarem de direitos fundamentais e com amparo direto na Constituição. Uma segunda corrente, contrária à decisão tomada na hipótese, poderia argumentar no sentido de que a dignidade humana e os demais direitos da personalidade a ela correlatos, em razão de seu caráter aberto e polissêmico, comportaria uma larga interpretação e, nesse sentido, caberia aos próprios interessados definirem de acordo com seus próprios interesses aquilo que consideram dignos para si próprios. Poderia, ainda, ser lembrado nesse sentido que, tratando-se de relações privadas (indivíduo/indivíduo – anões/clubes), no que se refere à chamada teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, há que se dar prevalência ao princípio da autonomia da vontade, tal como defendem alguns autores, de modo que não haveria, no caso, nenhuma violação a direitos fundamentais desde que as práticas fossem tomadas mediante o prévio consentimento dos envolvidos.
Ademais, pra quem se interessar, os vídeos abaixo (de responsabilidade de seus próprios produtores/uploaders), encontrados no Youtube, permitem a cada um tirar suas próprias conclusões a respeito do assunto:



(Dica: muitos irão preferir assistir a esse vídeo com o som desligado!!! Aviso dado)
02. Com relação aos direitos e garantias fundamentais, responda as questões propostas:
a) Possível o estabelecimento de uma distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos? Fundamente sua resposta.
Sugestão de resposta: Muito embora sejam expressões consideradas sinônimas por muitos autores e assim mesmo tratadas em diversos julgados, existem algumas distinções, a saber: a) a expressão direitos humanos é comumente utilizada para designar direitos fundamentais em escala internacional, tal como ocorre em certos tratados e convenções internacionais, enquanto que a expressão direitos fundamentais é mais usualmente utilizada para a representação desses mesmos direitos no âmbito consitucional interno de cada Estado; b) os direitos fundamentais, dessa forma, são considerados a manifestação positivada dos direitos humanos, sendo que estes, por sua natureza, independem de expressão normativa e por isso transcendem os limites do ordenamento. Vale lembrar, ainda, embora não solicitado na questão, a existência de expressões semelhantes como direitos da humanidade, como ocorre com o patrimônio histórico da humanidade (preservado em museus de civilizações antigas ou de história natural),  o meio ambiente quando representado por biomas de valor universal como a Floresta Amazônica; e também direitos humanitários que, de forma um tanto mais específica, cuidam das regras relativas a, dentre outros casos, feridos e presioneiros de guerra, etc.

b) Considerando-se a preponderância do princípio da autonomia da vontade, os direitos fundamentais não podem ser aplicados nas relações entre particulares, em hipótese alguma. Considerando-se os posicionamentos mais atualizados da doutrina e jurisprudência, essa afirmação pode ser considerada verdadeira? Fundamente.
Sugestão de resposta: A questão exigia o conhecimento da já mencionada teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo que, com relação a esta, existem três posicionamentos: a) há quem entenda inexistir a eficácia dos DF na esfera privada (horizontal) prevalecendo tais direitos apenas nas relações envolvendo o indivíduo e o Estado (eficácia vertical); b) para uma outra corrente os DF podem ser aplicados nas relações entre particulares, porém desde que de forma indireta; sendo assim, haveria aqui uma prevalência do principio da autonomia da vontade e, por tal razão, sustentam a possibilidade de aplicação indireta dos DF somente por meio das cláusulas gerais do direito privado, o que seria um reflexo do chamado efeito irradiador dos direitos fundamentais, o que é feito por meio da intermediação do legislador, o responsável pela elaboração de tais cláusulas; c) e, finalmente, há uma terceira corrente que defende a aplicação de forma direta dos DF nas relações particulares, mesmo considerando-se, tal como sustenta a segunda corrente, como sendo ideal, a intermediação do legislador, ou seja, a necessidade de criação de normas de direito privado que reflitam e deêm eficácia às normas de DF (ex.: art. 57 do CC). Sendo assim, considerando que apenas uma minoria sustenta a primeira corrente e considerando-se a existência de julgados, inclusive da Suprema Corte (STF – RE 201.819) que adota a tese da eficácia horizontal direta dos DF, a afirmação trazida pela questão deveria ser considerada falsa.

03. Considerando-se o que foi abordado a respeito dos direitos e garantias fundamentais, julgue os itens a seguir:
a) A vida, considerado o interesse de maior relevância pela Constituição e, portanto, de caráter absoluto, está dotada dos seguintes caracteres: inviolabilidade e irrenunciabilidade. [ ] Certo [X] Errado
Comentário: O erro da assertiva não está em considerar a vida como o interesse de maior valor relevância pela Constituição, mas em tratá-lo como possuindo um caráter absoluto, uma vez que há o entendimento majoritário de que, no âmbito consitucional, não há se falar em direitos de caráter absoluto. Tanto assim é que, com relação ao direito à vida, a própria Constituição traz suas ressalvas, como a possibilidade de pena de morte no caso de guerra declarada (art. 5.º, XLVII, CF), assim como a legislação infraconstitucional (no caso do aborto, art. 228, I e II do CP).

b) Na gravação clandestina, nenhum dos interlocutores tem o conhecimento de que sua conversa está sendo monitorada e, portanto, para que seja legítimo o uso em processo, há a necessidade de autorização judicial. [ ] Certo [X] Errado
Comentário: A gravação clandestina, no sentido técnico da expressão, é aquela perpetrada por um daquees que participa de uma conversa entre duas ou mais pessoas; justamente por isso é considerada uma prática ilícita, pois em confronto direto com o principio da inviolabilidade da privacidade. Sendo assim, não há, em princípio, a possibilidade de autorização judicial para sua realização e, dessa forma, um meio de torná-la legítima, excecpcionadas as hipóteses trazidas pela própria CF (art. 5.º, XII, CF) ou em casos concretos em que a doutrina e a jurisprudência admitem, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sua utilização quando estiver em jogo bens jurídicos relevantes.

c) Já na interceptação telefônica, na modalidade de escuta clandestina, um dos interlocutores autoriza a violação de seu sigilo telefônico por terceiros, colaborando, assim, com as investigações. [X] Certo [ ] Errado
Comentário: A assertiva está correta por trazer, em linhas gerais, o conceito técnico da expressão escuta clandestina, como sendo esta uma das espécies da interceptação telefônica, tendo como traços diferenciadores do instituto anteriormente visto (gravação clandestina) justamente o fato de um dos interlocutores autorizar a gravação que, todavia, exige a participação de um terceiro que é quem efetivamente a realiza.

d) A inviolabilidade de domicílio não é absoluta, uma vez que diante da constatação de um crime que esteja sob flagrante, possível a invasão de uma residência, desde que mediante mandado judicial. [ ] Certo [X] Errado
Comentário: Muito embora, de fato, tal princípio não seja absoluto, pois comporta as exceções permitidas pela CF (situações emergenciais como socorro, flagrante e autorização judicial), a assertiva está incorreta porque o flagrante, por si só, já autoriza a violação do domicílio por qualquer pessoa (cf. art. 301 do CPP – flagrante facultativo), independentemente de autorização judicial.

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