Não me refiro, aqui, ao peso de nossa consciência, das culpas, dos remorsos, das dúvidas, dos medos, etc.
Falo daquilo que nos torna capazes, no dia-a-dia, de fazermos aquilo que gostamos, de exercermos de forma eficaz e proveitosa nossas tarefas profissionais, nossas funções intelectuais...
Estaria relacionado ao peso dos livros, compêndios, apostilas, tomos, revistas e obras que já tenhamos lido ao longo de toda nossa vida?
Parece meio absurdo isso, não?
Não seria ainda mais absurdo se tentássemos, então, relacionar o peso de nossos corpos físicos à nossa capacidade intelectual, ou seja, relacionarmos nossa compleição física à nossa capacidade de exercermos atividades meramente intelectuais ou, mais especificamente, de transmitirmos ou difundirmos esse conhecimento?
Por certo. Até porque, se assim fosse, faria bem mais sentido a expressão "comer os livros", como sugere a imagem ao lado... Seriam menos calorias, por mais informação!!!
Mas não é bem sobre isso o assunto deste post.
Ora, muitos devem ter visto, no domingo passado (06/02/2011), o programa
Nesse caso específico, que envolveu candidatas consideradas obesas, tudo ocorreu no transcorrer de um concurso público para professores da rede estadual paulista.
A delação do caso já havia sido tema de reportagem na Folha de S. Paulo (02/02/2011), que relatou o fato de algumas destas candidatas que, mesmo aprovadas em etapas anteriores do concurso, não puderam ser empossadas no cargo de professoras sob a alegação de que não estariam “aptas fisicamente” para assumi-lo.
O motivo provável para tal reprovação teria surgido logo após exames médicos de admissão que lhes diagnosticaram com um índice de massa corporal (IMC) acima de 40 (que representa a obesidade mórbida).
Seja esta ou não a verdadeira razão para a reprovação das candidatas ao concurso (a Secretaria de Educação se recusou a informar os reais motivos), evidente que casos como estes são inadmissíveis.
Afinal de contas, qual relação poderá existir entre a obesidade (ou magreza) de uma pessoa com a função de natureza intelectual exercida por esta?
Afinal de contas, qual relação poderá existir entre a obesidade (ou magreza) de uma pessoa com a função de natureza intelectual exercida por esta?
O princípio constitucional do concurso público, segundo Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 2009, p. 751), garante o exercício de um verdadeiro direito, aos cidadãos brasileiros (e estrangeiros, inclusive), desde que atendidos os requisitos exigidos por lei, de acesso aos cargos, empregos e funções públicas.
Aliás, diga-se de passagem, não há fórmula que seja mais igualitária e justa do que esta a permitir a participação daqueles que adequadamente se qualifiquem nos quadros da Administração Pública, tratando-se de claro desdobramento da norma constitucional inserida no art. 5º, XIII e que consagra o direito fundamental de livre exercício de profissão, arte e ofício.
Existem, todavia, é bom ressaltar, critérios a serem respeitados e que se encontram previstas tanto na própria CF quanto em leis extravagantes (v. g., no âmbito federal, a Lei nº 8.112/90).
Existem, inclusive, critérios legais de discriminação.
Sim, é verdade.
Ora, para se atender à máxima da isonomia aristotélica que diz ser necessário “tratar-se igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, existirão situações em que a simples igualdade formal, aquela prevista em lei (art. 5º, caput) e que declara “serem todos iguais perante a lei” não será suficiente para atingir a todas as situações e de forma a não ser violada a norma constitucional.
Por outras palavras, há que se garantir, acima de tudo, a igualdade material, que é aquela aferida frente aos bens da vida e que realmente é capaz de individualizar as curvaturas e “sobressalências” das situações reais que poder-se-ão nos apresentar, exigindo-nos, talvez, o recurso da sempre prática a régua de Lesbos. Afinal, para se alcançar a equidade, não devemos medir apenas aquilo que venha a ser considerado normal, mas também as inevitáveis distinções, multiplicidades, pluralidades e idiossincrasias tão comuns à experiência humana.
Não é sem razão que encontraremos, no próprio corpo da Constituição Republicana, o estabelecimento de desigualdades entre homens e mulheres, por exemplo (regras sobre aposentadoria, licença-maternidade/paternidade, etc.), bem como outros critérios de discrímen em instrumentos normativos diversos.
Mas até que ponto pode-se permitir uma discriminação legal sem que esta adquira contornos de inconstitucionalidade como evidente e infelizmente veio a ocorrer no caso das professoras obesas?
Quais os critérios a serem adotados para que o indispensável princípio da isonomia não seja desrespeitado, sobretudo quando relacionado ao também relevante princípio constitucional do concurso público?
E até que ponto tais questionamentos podem relacionar-se com as chamadas ações afirmativas também conhecidas como discriminações positivas e que hoje tão comumente são adotadas no âmbito público como forma de redução das desigualdades?
Colocadas essas indagações, gostaria que vocês, leitores do blog, aceitassem o meu convite ao debate, sugerindo os instrumentos e medidas possíveis para se resolverem tais problemas.
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Dicas de leitura:
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 751-756.