sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Qual o "peso" do seu conhecimento?

Já se imaginaram fazendo essa pergunta: quanto pesa aquilo que carregamos em nossa cabeça?

Não me refiro, aqui, ao peso de nossa consciência, das culpas, dos remorsos, das dúvidas, dos medos, etc.

Falo daquilo que nos torna capazes, no dia-a-dia, de fazermos aquilo que gostamos, de exercermos de forma eficaz e proveitosa nossas tarefas profissionais, nossas funções intelectuais...

Estaria relacionado ao peso dos livros, compêndios, apostilas, tomos, revistas e obras que já tenhamos lido ao longo de toda nossa vida?

Parece meio absurdo isso, não?

Não seria ainda mais absurdo se tentássemos, então, relacionar o peso de nossos corpos físicos à nossa capacidade intelectual, ou seja, relacionarmos nossa compleição física à nossa capacidade de exercermos atividades meramente intelectuais ou, mais especificamente, de transmitirmos ou difundirmos esse conhecimento?

Por certo. Até porque, se assim fosse, faria bem mais sentido a expressão "comer os livros", como sugere a imagem ao lado... Seriam menos calorias, por mais informação!!!

Mas não é bem sobre isso o assunto deste post.

Ora, muitos devem ter visto, no domingo passado (06/02/2011), o programa Cansástico Fantástico, da Rede Globo, transmitir uma reportagem (que não assisti mas, por sua conta e risco, pode ser acessada aqui) que, por mais absurda que nos pareça, apenas expôs, de forma clara, uma triste realidade e que, a cada dia, torna-se, infelizmente, mais comum: como atos de discriminação e preconceito podem se manifestar nas situações menos improváveis possíveis.
Nesse caso específico, que envolveu candidatas consideradas obesas, tudo ocorreu no transcorrer de um concurso público para professores da rede estadual paulista.
A delação do caso já havia sido tema de reportagem na Folha de S. Paulo (02/02/2011), que relatou o fato de algumas destas candidatas que, mesmo aprovadas em etapas anteriores do concurso, não puderam ser empossadas no cargo de professoras sob a alegação de que não estariam “aptas fisicamente” para assumi-lo.
O motivo provável para tal reprovação teria surgido logo após exames médicos de admissão que lhes diagnosticaram com um índice de massa corporal (IMC) acima de 40 (que representa a obesidade mórbida).
Seja esta ou não a verdadeira razão para a reprovação das candidatas ao concurso (a Secretaria de Educação se recusou a informar os reais motivos), evidente que casos como estes são inadmissíveis.

Afinal de contas, qual relação poderá existir entre a obesidade (ou magreza) de uma pessoa com a função de natureza intelectual exercida por esta?
O princípio constitucional do concurso público, segundo Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 2009, p. 751), garante o exercício de um verdadeiro direito, aos cidadãos brasileiros (e estrangeiros, inclusive), desde que atendidos os requisitos exigidos por lei, de acesso aos cargos, empregos e funções públicas.
Aliás, diga-se de passagem, não há fórmula que seja mais igualitária e justa do que esta a permitir a participação daqueles que adequadamente se qualifiquem nos quadros da Administração Pública, tratando-se de claro desdobramento da norma constitucional inserida no art. 5º, XIII e que consagra o direito fundamental de livre exercício de profissão, arte e ofício.
Existem, todavia, é bom ressaltar, critérios a serem respeitados e que se encontram previstas tanto na própria CF quanto em leis extravagantes (v. g., no âmbito federal, a Lei nº 8.112/90).
Existem, inclusive, critérios legais de discriminação.
Sim, é verdade.
Ora, para se atender à máxima da isonomia aristotélica que diz ser necessário “tratar-se igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, existirão situações em que a simples igualdade formal, aquela prevista em lei (art. 5º, caput) e que declara “serem todos iguais perante a lei” não será suficiente para atingir a todas as situações e de forma a não ser violada a norma constitucional.
Por outras palavras, há que se garantir, acima de tudo, a igualdade material, que é aquela aferida frente aos bens da vida e que realmente é capaz de individualizar as curvaturas e “sobressalências” das situações reais que poder-se-ão nos apresentar, exigindo-nos, talvez, o recurso da sempre prática a régua de Lesbos. Afinal, para se alcançar a equidade, não devemos medir apenas aquilo que venha a ser considerado normal, mas também as inevitáveis distinções, multiplicidades, pluralidades e idiossincrasias tão comuns à experiência humana.
Não é sem razão que encontraremos, no próprio corpo da Constituição Republicana, o estabelecimento de desigualdades entre homens e mulheres, por exemplo (regras sobre aposentadoria, licença-maternidade/paternidade, etc.), bem como outros critérios de discrímen em instrumentos normativos diversos.
Mas até que ponto pode-se permitir uma discriminação legal sem que esta adquira contornos de inconstitucionalidade como evidente e infelizmente veio a ocorrer no caso das professoras obesas?
Quais os critérios a serem adotados para que o indispensável princípio da isonomia não seja desrespeitado, sobretudo quando relacionado ao também relevante princípio constitucional do concurso público?
E até que ponto tais questionamentos podem relacionar-se com as chamadas ações afirmativas também conhecidas como discriminações positivas e que hoje tão comumente são adotadas no âmbito público como forma de redução das desigualdades?
Colocadas essas indagações, gostaria que vocês, leitores do blog, aceitassem o meu convite ao debate, sugerindo os instrumentos e medidas possíveis para se resolverem tais problemas.
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Dicas de leitura:
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 751-756.

3 comentários:

  1. No que a obesidade impede as professoras intelectualmente?
    É engraçado como elas são vetadas de ocupar um cargo efetivamente que já exercem, mesmo como temporárias.
    Obesidade não deveria ser fator determinante, até porque elas passaram no primeiro exame, no curso preparatório, no segundo exame, e tiveram seus nomes publicados no Diário Oficial.
    Qual seria o real motivo para que elas fossem consideradas inaptas para ocupar o cargo?
    O Governo não pode/quer, integrar pessoas obesas por temer que elas não dêem conta do trabalho e seja concedido afastamento por doença, e elas recebam sem estar trabalhando?
    Na verdade, esse fundamento é paranóico.
    Na minha opinião, é pura discriminação, é o governo querendo manter as aparências.
    Não deveria constar no edital, as atitudes ou fatores que reprovam o candidato?

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  2. Sem dúvida, esta situação é complicada. De início, cabe às professoras prejudicadas recorrerem da decisão que as julgou inaptas. Frente a todas as notícias e à repercussão do caso, acredito que cabe indenização por danos morais também. Mas, enquanto não sair a decisão “final”, podem utilizar do remédio constitucional MANDADO DE SEGURANÇA, o qual, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, inciso LXIX, este poderá ser usado para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública. Muitas pessoas aprovadas em concursos públicos que por razões diversas são impedidos de tomar posse, utilizam esse remédio constitucional.

    No entanto, antes de julgarmos o perito que disse serem inaptas, cabe procurarmos saber sobre o edital do concurso. Afinal de contas, ele é a lei que determina quem pode ser apto ou não a exercer o cargo. Não sei se é este o concurso que prestaram http://fcc.telium.com.br/concursos/sedsp109/Edital_site.pdf , mas se for, não há critérios discriminadores explícitos. Quanto aos implícitos, podemos nos socorrer com a Norma Regulamentadora nº 7 do Ministério do Trabalho, que trata do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO). A partir deste, podemos concluir que o único risco à saúde a que o professor está submetido é o postural. Uma pessoa obesa, com obesidade mórbida, certamente terá mais probabilidade em ter problemas posturais do que aquelas que estão dentro do limite saudável do IMC. Mas isso também não impede que pessoas magras desenvolvam sérias doenças posturais, como a hérnia de disco. Importante é saber também que a obesidade não é apenas uma questão física, estética. Internamente, quer dizer que o organismo da pessoa está debilitado, podendo ocorrer inaptidão sim.

    Quanto ao acesso aos prontuários (como uma ex-funcionária de empresa de medicina e segurança do trabalho) afirmo que eles não são entregues, sequer mostrados, aos pacientes e nem mesmo às empresas. Para isso, é necessário haver ordem judicial. Dessa forma, o prontuário segue diretamente para o juiz (pelo que me lembro, nem o processo ele integra: o juiz lê e despacha). Apenas solicitar o prontuário ao médico não é suficiente para que este o mostre.

    Vale também ler o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de São Paulo. Em seu artigo 18, está dito que, dependendo na natureza do cargo, será exigida capacidade física. Não consegui encontrar uma legislação especial em relação ao professor. Creio que, em caso de Educação Infantil, seria realmente necessária capacidade física suficiente para o professor, levantar rapidamente, abaixar-se, correr, pular, etc. Mas não no caso em questão.

    A partir do exposto, em que há razões para recurso e outras para realmente a considerarem inaptas, concluo que, COMO NÃO HÁ EXPRESSO UM CRITÉRIO DISCRIMINADOR FUNDAMENTADO, cabe sim recurso, indenização por danos morais e mandado de segurança para que tomem posse do cargo.

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  3. RODRIGO DE PAULA ANDRÉ28 de abril de 2011 às 12:53

    Como vimos todos desfrutam de tratamento igual perante a lei, mas devemos buscar sempre a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
    No caso vislumbrado acima notamos que houve uma grande discriminação, feriu o direito da igualdade previsto no artigo 5º, caput, da CF/88, portanto para o cargo que pleitearam no concurso a qualificação exigida seria o conhecimento intelectual; pois “magras” ou “gordas” não ficou provado pela ciência se há alguma distinção no potencial de sabedoria. Exigir diferenças em concursos não é inconstitucional desde que o motivo para seleção justifique a escolha, como vimos em determinados cargos policiais que exige preparo físico, pois sem o mesmo comprometeria a função a ser exercida. No caso das professoras o que pode ser exigido é apenas o seu conhecimento, a capacidade em que irá ter ao lecionar para seus alunos. No meu entender uma professora “gorda” ensinará semelhante a uma professora “magra”, não trazendo comprometimento algum no aprendizado dos alunos.
    Nesse caso acho que selecionar as professoras de porte magro foi na qualidade de evitar licenças por auxílios doenças, o que pessoas obesas são mais propensas a desenvolver enfermidades na coluna espinhal, desgastes nos joelhos, hipertensão, dentre outras que fará um gasto a mais no Estado, porém isso não justifica esta seleção, e isso foi um tratamento desigual ferindo uma garantia constitucional.

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