sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Os crimes de Cesare Battisti!!!

Cesare Battisti
Como amplamente divulgado nos mais diversos canais de comunicação, em mais uma reviravolta neste controverso caso, o STF decidiu, em data de ontem, por não atender aos pedidos da defesa do refugiado italiano, Cesare Battisti, que suplicava sua imediata soltura, mantendo, por ora, sua prisão e consequente permanência provisória em nosso país. 

Na semana passada (sexta-feira, dia 31/12/2010), como um de seus últimos atos oficiais como Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva entendeu por bem, como seria de se esperar, não atender aos pedidos do governo italiano acerca de sua extradição (neste vídeo, aprenda diferenciá-la dos institutos da deportação e expulsão).

Como todos sabem, Battisti foi preso pela Polícia Federal em 2007, no Rio de Janeiro, gerando, desde então, talvez, um dos mais célebres casos submetidos à apreciação da Suprema Corte brasileira, envolvendo um ex-militante político (esquerdista) estrangeiro e os complexos problemas jurídicos em torno da questão.

Mas afinal de contas, Cesare Battisti deve ser beneficiado com com status de refugiado  político  ou extraditado à sua terra natal, como um mero foragido da Justiça para que possa efetivamente responder pelos crimes aos quais foi condenado?

Evidentemente que não poderia, aqui, neste pequeno espaço, discutir de forma pormenorizada todos os pontos e questões inerentes ao processo ainda em discussão no Supremo, tendo em vista as idas e vindas que tomou, sobretudo em razão das questões reflexas que a própria discussão do caso gerou no âmbito institucional do próprio STF, dentre elas a de se saber quem daria a palavra final em matéria de extradição: o Supremo ou o Presidente da República.

Muitos veículos de comunicação, inclusive, enveradaram-se por uma vertente de análise de cunho exacerbadamente político (embora evidente esse caráter em todo o caso) e, com isso, deu-se mais valor às polêmicas que daí frutificaram, do que a questão de fundo envolvida e que, ao meu humilde olhar, estaria quase que reduzida à indagação acima levantada.

Nesse sentido, pouco ou praticamente nenhum destaque é dado aos crimes de que teria efetivamente participado o italiano, ou seja, os quatro homicídios a que fora condenado, todos eles com sentença condenatória transitada em julgado, eis que confirmadas em todas as instâncias judiciais italianas, inclusive no âmbito da Corte Européia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, que não reconheceu qualquer violação a eventuais direitos do italiano, tal como exaustivamente alegado por seus defensores.

Antônio Santoro
Recordemos, aqui, como ocorreram.

A primeira vítima dos atos que foram imputados a membros da organização revolucionária Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) foi o oficial da polícia italiana, Antônio Santoro, emboscado e assassinado pelos militantes em uma das ruas do distrito de Udine, em 6 de junho de 1978.

Pouco tempo depois, no ano de 1979, outros três homicídios teriam sido cometidos por membros do PAC, todos eles, inclusive o acima citado, com a efetiva participação de Cesare Battisti.

Notícia da época comunicando
o assassinato de Torrregiani
Dentre estes, o joalheiro Pierluigi Torregiani. Em uma noite do mês de janeiro daquele fatídico ano,  o joalheiro, após ter participado de um programa de televisão, reuniu-se com amigos e familiares em uma pizzaria quando então foi abordado por assaltantes interessados nas jóias que então portava. Torregiani reagiu à tentativa de roubo o que resultou na morte de um dos criminosos, de um cliente da pizzaria, além de alguns feridos, inclusive o próprio joalheiro, sendo-lhe dirigidas diversas ameaças. E estas acabaram por se concretizar, cerca de um mês depois, logo pela manhã, ao abrir sua loja, sendo sua vida ceifada com um certeiro tiro de revólver em seu crânio. Um filho, que o acompanhava na ocasião, também foi atingido com um disparo em sua coluna, que o deixou paraplégico.

Lino Sabbadin
Nesse mesmo dia, 16 de fevereiro de 1979, o mesmo grupo vitimou o açougueiro Lino Sabbadin em circunstâncias quase que idênticas, na cidade de Santa Maria di Sala. Seu assassinato também teria sido uma retaliação pela morte de um assaltante durante uma tentativa de roubo ao seu açougue.

De acordo com a notícia publicada no site da Associação Italiana Vítimas do Terrorismo , tais crimes foram reinvindicados pelo PAC como uma forma de seus membros apoiarem o que consideravam crimes de somenos importância contra o patrimônio, entendidos como uma “medida necessária para a redistribuição de renda” e como reação “à falta de empregos” na época.

Andrea Campagna
Posteriormente, a quarta vítima dessa série de homicídios judicialmente imputados ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo, que então passou a ser considerado uma organização terrorista, foi novamente um membro da polícia italiana, Andrea Campagna. Foi assassinado com vários tiros, após deixar seu posto de serviço, em frente à casa de sua namorada. 

Vê-se, portanto, desnecessários grandes esforços subsuntivos, para se concluir que todos estes fatos criminosos nada mais foram do que verdadeiros atentados contra a vida humana, contra pessoas comuns, cidadãos italianos, que nenhuma relação guardavam com o governo da época (salvo, no caso dos policiais, o fato de serem membros das forças de segurança pública) ou de alguma forma se opunham aos distorcidos ideais revolucionários de seus executores.

Ora, nesse sentido, não há como se justificar qualquer negativa a pedidos de extradição, legalmente requeridos pelo governo italiano.

A Constituição da República é clara ao estampar, de forma expressa em seu artigo 5.º, LII, que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

O art. 77, VII, do Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80), na mesma esteira, diz que “não se concederá extradição quando: (…) o fato constituir crime político”.

Vale ressaltar que o § 3.º do mencionado artigo destaca que caberá ao Supremo Tribunal Federal definir, quanto ao caso concreto, o que venha a ser crime político, podendo deixar de considerá-lo os  atos de “anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social”.

Alguma semelhança com os fatos acima descritos, reconhecidos, reclamados e assumidos pelo PAC?

O que haveria de político no assassinato de um joalheiro, de um pobre açougueiro que apenas tiveram a infelicidade de tomarem a irrefletida e sempre desaconselhável atitude de reagirem aos crimes de roubo que foram vítimas?

Crimes comuns, portanto, do ponto de vista de sua natureza jurídica. Crimes como tantos outros que assolam nossa sociedade e, como bem sabemos, todos as nações do globo, mesmo aquelas consideradas econômica e socialmente superiores.

Crimes que foram apreciados e cautelosamente reconhecidos pelos tribunais daquele que é um dos berços, inclusive e por mais irônico que pareça, do nosso próprio sistema, de nosso arcabouço jurídico (que, remonta, na sua origem, ao Direito Romano). Uma nação, diga-se de passagem, tão ou mais democrática do que a nossa e com um vasto histórico de respeito e luta pelos direitos humanos e com a qual, agora, postamo-nos incomoda e vergonhasamente à beira de uma crise diplomática.

Membros do PAC em ação (na foto, vê-se um de seus líderes,
Giuseppe Memeo, empunhando uma Beretta, calibre 22. Fonte: Wikipedia.com)
Conclusão.

As intrincadas questões jurídicas que ainda seguram o caso Battisti no STF terão seu desenrolar, segundo notícia publicada no próprio site da instituição, dada a urgência que este relevante processo suscita, até no máximo fevereiro, eis que a remessa dos autos foi determinada ao seu relator, Min. Gilmar Mendes.

E isso, como dito, depois da decisão tomada pelo Presidente da República em não extraditar Battisti.

Tomada com base no que o próprio STF lhe autorizou.

Autorização que, em tese, garantia a soberania da decisão nos termos dos tratados assinados entre os dois países mas que, no entanto, foi sustentada, com base em parecer emitido pela Advocacia Geral da União (AGU), alegando-se eventuais riscos à pessoa do extraditando.

Sustentação esta que, todavia, segundo despacho do ilustre Min. César Pelluso, não é razão suficiente para  “supor que Battisti sofrerá perseguição ou discriminação, ou que sua situação possa ser agravada caso seja extraditado” isso, evidentemente, pelas mesmas razões que acima exposei.

Vê-se, portanto, com clareza, porque tanta repercussão o caso tem gerado e porque tantas incertezas e com ares de preocupação em função de eventuais abalos à segurança jurídica, têm atingido diversos setores da sociedade e, especialmente, aqueles que diretamente estão envolvidos: o próprio Battisti, seu advogado, os ministros do STF e os membros do executivo ligados à Presidência.

As vozes que desde o início já previam uma nefasta crise de instituições, nesse momento, parecem cada vez mais soar em únissono. 

E enquanto isso, até termos um desfecho definitivo para o caso, espero ter contribuído de alguma forma para que falsamente não nos indignemos com a não menos falsa generosidade com que aqui estamos a manter esse cidadão.

Claro já restou que os fatos por ele praticatos, nem de longe, podem se enquadrar em crimes de natureza política e isso o STF não deixou passar.

Daí porque não se deve também deixar passar, mesmo depois de decorridos seus mais de trinta anos, o fato de quatro serem as vítimas dos crimes de Cesare Battisti.

3 comentários:

  1. Sobre o texto - que li nas férias e só estou comentando agora -, dou-lhe os parabéns. Está muito bem escrito e sua opinião é exposta com segurança. Quanto ao mérito da extradição de Cesare Battisti, tenho a opinião de que o STF julgou corre...tamente o pedido formulado pelo Estado italiano, pois os crimes pelos quais o extraditando foi condenado são comuns, ou seja, não há argumento jurídico com solidez o bastante para contornar o que deve estar disposto no tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália. Por outro lado, não é confortável extraditar alguém por crimes que já estariam prescritos pela lei brasileira (tese levantada pelo Min. Marco Aurélio). No mais, o(s) testemunho(s) afirmando que Cesare Battisti teve participação nos homicídios pelos quais foi condenado se deram sob o manto da delação premiada, tão-somente (é o que leio por aí). Não vi corroboração de tais depoimentos por outras provas. Não bastando, nada foi dito acerca da duração da pena a ser cumprida. A perpétua é vedada pela nossa Constituição. Tenho dúvidas, mas acredito que é proibido extraditar alguém se a pena a ser executada é de natureza capital ou perpétua. Não há como assegurar a soltura de Battisti pelos italianos, se ainda vivo, após 30 anos de prisão. Essas circunstâncias me incomodam. Não dá para confiar em uma sentença penal condenatória quando se deu sob a revelia do réu, ainda que tal decisão tenha sido confirmada por instâncias superiores. Sinceramente, se eu estivesse no lugar do então Presidente, teria sérias dificuldades de decidir o caso, ainda mais com memoriais (petições) apresentadas em favor de Battisti por juristas como Dalmo de Abreu Dallari, Paulo Bonavides e Celso Antônio Bandeira de Mello, que não podem ser equiparados a meros militantes de esquerda, se é que seguem firmemente tal orientação ideológica. Resumindo: (a) se analisarmos o caso apenas sob a ótica do pedido formulado pelo governo italiano, o caso é de extradição e ponto final; (b) se olharmos mais a fundo, a questão se complica, pelos motivos acima expostos. Até hoje não tenho uma opinião final sobre esse caso, o que nunca me aconteceu antes. Abraços.

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  2. Evandro, mais uma vez obrigado pelas palavras. Sua participação contribui e muito para o debate. Como havia dito via Facebook, concordo com praticamente tudo o que disse. De fato não se trata de uma questão fácil de ser resolvida. Não fosse assim, não teria gerado tanta discussão, tantas idas e vindas no Supremo e todo esse confronto de instituições. E foi por isso mesmo que preferi, em minha postagem, não adentrar em pormenores, discutir todos os detalhes que o caso gerou. A finalidade maior mesmo seria a de chamar a atenção para a natureza dos crimes pelos quais Battisti foi condenado. Efetivamente condenado, com trânsito em julgado. Pouco ou nada se fala a respeito deles e muito menos de suas vitimas, esquecidas praticamente depois destes longos trinta anos... Quanto aos pontos por você levantados, tenho a considerar o seguinte:
    a) prescrição - de fato o Estatuto do estrangeiro veda a extradição nos casos em que há prescrição dos crimes pela lei brasileira ou do Estado requerente; pelo que li, esta ainda não ocorreu, pois passariam a contar desde o transito em julgado na Itália de sua última condenação (1993) à prisão perpétua; adaptando-se à nossa legislaçao, que admite pena máxima de 30 anos, o prazo prescricional seria de 20 anos, o que se completaria somente em 2013, portanto; há argumentos relativos, ainda, à suspensão desse prazo, sendo um deles o próprio pedido de refúgio, tese esta já reconhecida pelo Supremo no HC 83.501;
    b) natureza da pena - o que o Estatuto do Estrangeiro exige do Estado Requerente é o compromisso de ser comutada a pena de morte ou corporal em privativa de liberdade; não menciona, portanto, a de caráter perpétuo;
    c)circunstância do julgamento - não vejo nenhum óbice ou impedimento à extradição com relação á forma como se deram os julgamentos; Battisti respondeu a eles como revel por ter fugido; temos esse instituto por aqui também, vc bem sabe, e isso não implica, por si só, em um julgametno injusto, desde que corroborado em provas; como eu disse no texto, estamos a tratar com a Itália, não um Irã; o caso foi analisado pela Corte de Direitos Humanos Européia e nenhuma irregularidade processual foi reconhecida; portanto, não vejo também nenhum óbice neste aspecto.
    De mais a mais, evidente que o caso não é tão simples assim. O Direito nao é ciência exata e por mais que se tente, um modelo meramente lógico-normativo não basta para se encontrar a melhor solução.
    Não se pode, reconheço isso, analisar-se o caso apenas pela ótica dos crimes cometidos, mas essa não foi a minha intenção, como dito.
    Mas que estes não deveriam ser negligenciados, isso eu acredito, assim como penso que, tendo-os por norte, facilita-se uma escolha.
    Abraços e espero mais suas participações!!!

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  3. Nesse caso temos uma questão conflitante de Soberania. Enquanto o Governo do Brasil trata o caso como crime político, o Governo da Itália informa sobre fontes que apontam que o crime é de caráter comum, e por isso, exige com urgência a extradição de Battisti! Sendo o crime de caráter comum, o Brasil deve extraditá-lo imediatamente para haver respeito ao princípio de Soberania, já que a Soberania de um Estado(Itália) não reconhece a de outro(Brasil), e caso assim não seja, teremos um impasse diplomático entre Itália e Brasil! Devo enfatizar que a decisão do STF será importante, mas se negar o pedido italiano e comprovar-se que o crime ocorrido foi comum, a decisão terá que ser revisada mais uma vez a fim de se conciliar as partes envolvidas!

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